quarta-feira, 23 de maio de 2018

Laranja Mecânica - Análise filosófica


Produzido a partir da obra literária de Anthony Burguess (A ClockWork Orange, 1962), o filme Laranja Mecânica é uma superprodução considerada a obra-prima do diretor de cinema Stanley Kubrick. Nesta obra, Kubrick procurou representar com a maior capacidade e fidedignidade possíveis o conteúdo expresso no livro. Entretanto, antes de qualquer coisa, convém lembrar que toda obra ou produção artística é uma compilação da realidade ou de como a mesma se manifesta nos caracteres e percepções do individuo. No caso específico de Burguess, tal caracterização se torna ainda mais válida se se observar que o mesmo era originário da Inglaterra, nascido em 1917, e passou por um momento histórico mundial de grande importância, já que o mesmo lutou como militar na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) de modo a cooperar com a “Tríplice Aliança” contra a “Tríplice Entente”. Este fato e as circunstancias vividas durante o período bélico provocou no autor uma sensibilidade notável (e de fato desprezível) diante da selvageria e brutalidade que a Humanidade atingira e dos métodos e medidas repressivas e ditatoriais que vieram atrelados ao mundo moderno.

De fato, A Laranja Mecânica se constitui de um relato da vida do Jovem Alexandre ou Alex; rapaz muito inteligente, porém imerso em sua contextualidade de sexo, drogas, violência e amor pela musica erudita de Ludwig Van Beethoven. Alex e seus três “drugues” (Pete, George e Tapado) formam um grupo de punks que adoram divertir-se sem limites, obtendo prazer através de delitos e da criminalidade.



Neste quesito seria de interessante destaque as assertivas da área da Psicologia Criminal, destacadamente a Teoria do Desenvolvimento Moral e do Processo Cognitivo que prevê o “comportamento delitivo ligado a certos processos cognitivos, isto é, a seu modo de perceber o mundo, ao próprio contexto subjetivo do delinqüente, ao grau de desenvolvimento e moral deste, às suas normas e valores e as outras variáveis cognoscitivas da personalidade” (MOLINA,1992).

Entretanto, apesar de altamente importante o entendimento e compreensão do fenômeno da delinqüência, o fato mais marcante na produção cinematográfica em questão é a transformação de Alex de um punk socialmente sem moral para um cidadão “exemplar” doutrinado e, conseqüentemente, sua volta ao estado de rebelde.

Como muito bem elaborado no cinema, uma vez preso na Prisão Estatal numero 84-F para cumprimento de um pena de 14 anos de reclusão social, o protagonista ver-se modificado radicalmente do seu velho estado radical de viver ao enquadramento de normas “positivistas” privilegiadoras de ordem como objeto e possibilidade de progresso.

Para Alex “a emoção do roubo, da violência, a necessidade da vida fácil se justifica à medida em que temos provas insofismáveis e incontroversas de que o inferno existe“ (BURGUESS,1962). Se este simples discurso já revela um desajustamento sócio-cultural, pode-se concluir que é pela negação ou indução do mesmo que o próprio se propõe - apesar de satiricamente em seu interior – haver uma aceitação do “Deus Salvador” e da fé como refúgio (como pode ser bem observado através de suas palavras). E seria desta interação que Alex confirmaria os rumores ouvidos sobre uma nova técnica desenvolvida por cientistas: A Técnica Ludovico. É precisamente nesta técnica de condicionamento bio-fisiológico por meio de associações diretas que se encontra, talvez, um dos temas mais discutíveis no decorrer da narrativa.

Nesse sentido, vale esclarecer que intrinsecamente, todo condicionamento é uma aprendizagem por associação, embora deve-se deixar bem claro, que a aprendizagem é uma mudança relativamente permanente no comportamento de um organismo em decorrência da experiência e que o condicionamento - processo de aprender associações - não é a única forma de aprendizagem.



Partindo dos estudos dos Processos Psicológicos e do avanço da Psicologia enquanto Ciência, existem dois tipos de condicionamento, o Condicionamento Clássico e o Condicionamento Operante. O último se dá ao aprendermos associar a resposta e sua conseqüência e, assim, a repetir os atos seguidos de recompensa e evitar os atos seguidos de punição, este envolve o comportamento operante - o ato opera no ambiente para produzir estímulos de recompensa ou punição. No primeiro, o Condicionamento Clássico proposto por Ivan Pavlov, aprendemos associar dois estímulos e, assim, antecipar eventos. Percebe-se neste o caráter altamente adaptativo, já que ele ajuda a preparar os organismos para os bons e maus eventos.

No Condicionamento Pavloviano, existem alguns processos ligados a adaptação e aprendizagem efetiva do processo de aprender associações, este seria composto por: Estímulos Incondicionados, Condicionados e Neutros; além de Respostas Incondicionadas e Condicionadas.

Em se tratando, especificamente da Técnica Ludovico na qual foi submetido o Jovem Alex, e aplicado pelo Dr.Brodsky, seria possível compararmos pela análise da ficção os conceitos anteriores como: Estimulo Incondicionada (soro), Resposta Incondicionada (dor, náusea), Estimulo Neutro (imagens e musica). Estas associações com a repetição de sessões e de aparelhos tecnológicos promovera um Estimulo Condicionado ligado às imagens e a música de Beethoven (necessariamente a Nona Sinfonia) que produziriam uma Resposta Condicionada que gerou dores e náuseas ao garoto sempre que imposto a situações similares as que ele observara nos filmes - o que lhe causava repúdio biológico e alteração a nível fisiológico.

Sobre este assunto, é salutar destacar que após Alex adquirir o seu “status de liberdade” e gozar de sua autonomia limitada na sociedade, o condicionamento que é clássico, também mostra-se operante. Visivelmente o antigo punk produzia respostas automáticas a determinados eventos, entretanto, o seu poder de escolha ainda permanecia, relativamente, uma vez que ele podia através de sua interação com o mundo saber o que lhe seria aversivo ou não.

Já no final do filme, graças a um processo de condicionamento denominado Extinção e pela inter-relação com o seu estado de coma que durou alguns meses lhe foi permitido pelo declínio de uma característica condicionada e pela diminuição da resposta que ocorre quando o estimulo não sinaliza mais um Estimulo Incondicionado iminente, ver-se livre novamente da experiência submetida, podendo com isso voltar a ser o que sempre quis ser e tornar a ouvir o clássico Beethoviano.

Finalmente, Laranja Mecânica é uma rica ilustração de temas importantes e ainda em pauta na Contemporaneidade, permite não só aliar o estudo teórico em relação com sua praticidade, como também levantar questões relativas à Ética e Bioética - seja ela em Pesquisa como em técnicas adaptativas. Afinal a Bioética é a parte da Ética - ramo da Filosofia que enfoca as questões referentes à vida humana e, portanto, acerca da saúde.

Sem querer entrar em detalhes e presunções sobre a eticidade do papel da política nos dois casos, o que vale é ressaltar o comportamento e afirmação do Alex ao dizer que “Ser bom pode não ser agradável”, o que nos remete ao fato de que o comportamento moral do homem, que se apresenta como consciente, obedece a forças ou impulsos que escapam ao controle de sua consciência. Freud dá uma contribuição importante a Ética, pois convida-a a levar em consideração essa motivação inconsciente. Assim sendo, a proposta freudiana é remeter o campo da ética a indagar-se se o ato propriamente moral é aquele no qual o individuo age consciente e livremente, e mais ainda, depreender sobre a possibilidade de atentar a possibilidade de que os atos praticados por uma motivação inconsciente devam ser excluídos (ou não) do campo moral.





MOLLINA, A.Criminologia.2.ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1997.
MYERS,D. Psicologia.7.ed.Rio de Janeiro:LTC, 2006.

Fonte: http://recantofilosofico.blogspot.com.br/2010/01/a-laranja-mecanica-analise.html

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