A GENEALOGIA DA MORAL – Nietzsche:
A GENEALOGIA DA MORAL – Nietzsche:
Por: Juliana Vannucchi
A GENEALOGIA DA MORAL
– Nietzsche: Em nosso cotidiano, é comum carregarmos conosco noções
sobre “certo” e “errado”, “bom” e “mau”, “vício e virtude” e outros
tipos de valores que refletem diretamente em nosso comportamento. Na
obra A Genealogia da Moral, Nietzsche dedica-se a tentar compreender as
condições e origens do surgimento destes binômios que compõe os
elementos formuladores dos preceitos morais. Busca também descobrir se a
moral possui efeitos positivos ou negativos sobre o homem. Para isso, o
filósofo supõe que a moral possa ser uma degeneração, um atraso, um
empobrecimento, e não um avanço de caráter ou algo que transmita
qualquer efeito benéfico. Logo no prefácio da obra, o pensador alemão
esclarece seu objetivo com o livro: “Em que condições o homem inventou
essas aprecies de valor de bem e de mal? E que valor têm em si mesmas?”
(NIETZSCHE, GM, Prólogo, 3). “Seria a moral o maior de todos os
perigos?” (NIETZSCHE, GM, Prólogo, 6). Uma ressalva válida para
esclarecimento e melhor compreensão do livro, é que o filósofo
contrapõe-se à origem moral de cunho religioso, por isso desconsidera e
não se preocupa com a moral relacionada à Jesus Cristo, e foca apenas na
maneira como a moral originou-se historicamente pelo próprio
homem. Entenda-se, portanto, que a investigação de Nietzsche centra-se
na moral que o ser humano estabeleceu para si, e o pensador não se
preocupa com os dogmas de cunho religioso. Aliás, o aspecto cristão da
moral (“isto está correto porque a Bíblia diz que está”, etc.) é um
atraso ao homem e um dilacerador da consciência humana na medida em que
induz o homem a voltar-se sempre para o futuro (com promessas como a
vida no paraíso e a noção de pecado), negando a existência presente, e
contaminando-o com a ideia de pecado, fato este que o impede de viver
plenamente.
No
primeiro capítulo, Nietzsche inicia uma discórdia combativa aos homens
de sua época que empenharam-se a buscar as origens e preceitos da moral.
O autor refere-se especificamente aos “psicólogos ingleses”, que teriam
sido os primeiros indivíduos a buscar investigar a história da moral.
Nietzsche os julga por suas vagas concepções criadas acerca do assunto, e
descarta as pesquisas e conclusões destes psicólogos de sua época. Tais
indivíduos seriam utilitaristas, isto é, pessoas que defendem e
compreendem que a moral é o que se liga ao útil.
Em
seguida, Nietzsche faz uma distinção entre “senhores” e “escravos”,
sendo que cada uma destas classes, possui sua própria moral. A primeira
categoria refere-se ao indivíduo forte, dominador, satisfeito com si.
Seu oposto é o homem controlado, o homem dominado, aquele que é fraco.
Este último é o sujeito (escravo, plebeu) que não irá, portanto, criar
seus próprios valores e condições, mas que irá sujeitar-se, adequar-se e
tornar-se passivo diante dos valores e condições do nobre (senhores) e
basear-se nestes valores como sendo os corretos. Este trecho configura
bem esta diferença entre as morais: “A moral nobre procede de uma
triunfante afirmação de si mesma”. (NIETZSCHE, GM, I, 10). Ou seja, o
nobre cria o conceito de bom a partir de si mesmo. Sua natureza é forte,
integra, ele não se importa com seus inimigos, com a vingança ou com
suas desgraças, ele é o dominador de si. “Enquanto o nobre vive cheio de
confiança e franqueza para consigo mesmo… O homem do ressentimento não é
nem correto, nem simples, nem sequer honesto e leal consigo mesmo”.
(NIETZSCHE, GM, I, 10). Esta moral escrava inicia-se com os judeus e,
posteriormente, é assimilada e continua a existir pelo Cristianismo. A
inversão de valores que iniciou-se com os judeus, refere-se a uma
mudança na qual aquilo que é “bom” é o que é miserável e pequeno, sendo
que “os bons” são os pobres, os enfermos, os sofredores.

Nietzsche segue sua obra com uma tentativa de comprovar essa conclusão
(bom-nobre/mau-plebeu) a partir de uma análise das origens linguísticas
sobre os conceitos morais, baseando-se em diversas línguas e
terminologias das mesmas. Analisemos um trecho: A palavra alemã sclecht (mau), que é idêntica a schilicht (simples) – ver schlecgtweg (simplesmente) e schlechterdings
(absolutamente) – que em sua origem designava o homem simples, o homem
comum, sem estar acompanhando ainda de um olhar suspeito, simplesmente
por oposição a nobre. (NIETZSCHE, GM, I, 4).
Menciona-se também a palavra latina “malus” (mau) que estaria ligada à “melas”
(negro), utilizada para referir-se ao plebeu, ao homem de cor morena e
de cabelos pretos. Em contraponto, encontra-se o bom, o puro, que é o
homem loiro. A partir destas noções, a sociedade relaciona a moral
positiva com o que é puro & a negativa com o impuro. Segue-se que o
bem-estar de uns, é o que é assimilado como bem-estar de todos. Este
fato desencadeará tradicionalismos e costumes que são colocados por
Nietzsche como sendo sujeições.
Dentro deste contexto, surge o sentimento de ressentimento, que está
sempre apto a acompanhar os atos de qualquer homem. Age-se, pensa-se e
comporta-se de acordo com aquilo que se incorpora como sendo o correto
(quer dizer, conforme o nobre, o poderoso, o aristocrata), e se não se
age, pensa ou comporta-se de tal maneira, o ressentimento pode surgir,
afligir, perseguir e perturbar o homem. Sobre este homem do
ressentimento (o plebeu, o escravo, o servo), Nietzsche (GM, I, 10) diz:
“Sua alma é turva, seu espírito procura os recantos, as vias tortas, as
saídas furtivas, encanta-se com todo esconderijo de seu próprio mundo,
de sua própria segurança, de seu propósito repouso (…)”. O ressentimento
é veneno acarretado pelos valores morais; ele adoece o homem, faz com
que ele se sinta angustiado, arrependido e pecaminoso. É um sentimento
que surge a partir do dever e da obrigação (“eu preciso fazer isto
porque é “útil”/devo agir de tal maneira porque é “bom”/vou fazer isto
porque é uma “obrigação”), e dever e obrigação são, por si, acompanhados
pelo castigo, isto é, pela ideia de punição. Este castigo aprisiona o
homem e torna a moral uma mutilação daquilo que se é em estado de
natureza: “O que podemos conseguir, de modo geral, por meio do castigo,
no homem e no animal, é o aumento do medo, o aguçamento da prudência, o
domínio dos apetites: fazendo isso, o castigo doma o homem, mas não o
torna melhor”. (NIETZSCHE, GM, II, 14).
Esta
ocorrência leva a uma consequente diferença entre “eu quero” e “eu
farei”, que irá regular, controlar e uniformizar o “animal homem”.
Aliás, é justamente a natureza animalesca do ser humano, traçada pela
selvageria e crueldade, que é oprimida pelos preceitos da moral do
escravo. Ela gera a culpa e a má consciência, fazendo com que o homem
sinta-se envergonhado de seus instintos; a má consciência é um cárcere
interior que aprisiona os instintos. Isto acarretará numa opressão da
liberdade, uma vez que levará o homem a condicionar-se e oculta parte de
si, modificando seu comportamento natural e espontâneo para um modo de
vida “civilizado”, tipicamente condicionado e determinado, caracterizado
por privações daquilo que se é primitivamente.
No
último capítulo do livro, o filósofo explora o que denomina como “ideal
ascético”, que seria o conjunto de negações dos impulsos e vontades
terrenas em prol da moral. Isso faz com que o homem negue a si mesmo e
recuse sua própria vida e/ou sua própria plenitude. É neste aspecto que
surge o niilismo, representando o homem que se posiciona negativamente
diante da vida. Este é o homem que herda a moral dos escravos e que se
auto-aniquila. Negar a vida e não vivê-la (eis a figura do niilista) em
plenitude é negar-se a si mesmo, é torturar-se e problematizar-se:
“Negar a realidade do eu, negar-se a si mesmo” (NIETZSCHE, GM III, 12) é
cometer uma violência brutalizada contra seu próprio ser, já que dessa
forma vive-se para ideais exteriores. Este aspecto é também notado nos
dogmas cristãos, pois estes abdicam suas vidas terrenas por uma
(suposta) vida celeste pós morte, de forma que se vive projetando-se
unicamente no futuro, além de carregar consigo o medo da punição e a
tenebrosa noção do pecado, que impede o homem de agir.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Genealogia da Moral. 11 ed. São Paulo: Escala, 2013. (Coleção: O Essencial de Nietzsche). Tradução de Antonio Carlos Braga.
Fonte: http://www.acervofilosofico.com/a-genealogia-da-moral-nietzsche
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