Por meio de uma análise histórica inovadora, o filósofo francês viu na educação moderna atitudes de vigilância e adestramento do corpo e da mente

Michel Foucault
Em vez de tentar responder ou discutir as questões filosóficas tradicionais, Foucault desenvolveu critérios de questionamento e crítica ao modo como elas são encaradas. A primeira conseqüência desse procedimento é mostrar que categorias como razão, método científico e até mesmo a noção de homem não são eternas, mas vinculadas a sistemas circunscritos historicamente. Para ele, não há universalidade nem unidade nessas categorias e também não existe uma evolução histórica linear. O peso das circunstâncias não significa, no entanto, que o pensador identificasse mecanismos que determinam o curso dos fatos e os acontecimentos, como o positivismo e o marxismo.
Investigando o conceito de homem no qual se sustentavam as ciências naturais e humanas desde o iIuminismo, Foucault observou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza, e de sujeito, capaz de apreender o mundo e modificá-lo. Mas o filósofo negou a possibilidade dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos, que variam de uma época para outra ou de um lugar para outro, dependendo de suas interações.
Disciplina e modernidade
Foucault concluiu, no entanto, que a concepção do homem como objeto foi necessária na emergência e manutenção da Idade Moderna, porque dá às instituições a possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se inclui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, é a disciplina - um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo que o iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e proteção aos cidadãos - como família, hospitais, prisões e escolas -, também inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição (leia o quadro acima). Esses mecanismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações - tendo como elemento unificador a hierarquia. "As sociedades modernas não são disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas", diz Veiga-Neto.
O filósofo não acreditava que a dominação e o poder sejam originários de uma única fonte - como o Estado ou as classes dominantes -, mas que são exercidos em várias direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula Microfísica do Poder). Esse exercício também não era necessariamente opressor, podendo estar a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas instituições e idéias uma teia complexa, em que não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos. Para dar conta dessa complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele, não há relação de poder que não seja acompanhada da criação de saber e vice-versa. "Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos", explica Veiga-Neto.
Arqueologia do saber
A contestação e a revisão de conceitos operadas por Foucault criaram a necessidade de refazer percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a medicina etc.
Três fases se sucederam em sua obra. A da arqueologia do conhecimento é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi sistematizado. A genealógica corresponde a um conjunto de investigações das correlações de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na passagem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado. Finalmente, a fase ética centra o foco nas práticas por meio das quais os seres humanos exercem a dominação e a subjetivação, conceito que corresponde, aproximadamente, a assumir um papel histórico.
Foucault concluiu, no entanto, que a concepção do homem como objeto foi necessária na emergência e manutenção da Idade Moderna, porque dá às instituições a possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se inclui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, é a disciplina - um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo que o iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e proteção aos cidadãos - como família, hospitais, prisões e escolas -, também inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição (leia o quadro acima). Esses mecanismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações - tendo como elemento unificador a hierarquia. "As sociedades modernas não são disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas", diz Veiga-Neto.
O filósofo não acreditava que a dominação e o poder sejam originários de uma única fonte - como o Estado ou as classes dominantes -, mas que são exercidos em várias direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula Microfísica do Poder). Esse exercício também não era necessariamente opressor, podendo estar a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas instituições e idéias uma teia complexa, em que não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos. Para dar conta dessa complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele, não há relação de poder que não seja acompanhada da criação de saber e vice-versa. "Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos", explica Veiga-Neto.
Arqueologia do saber
A contestação e a revisão de conceitos operadas por Foucault criaram a necessidade de refazer percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a medicina etc.
Três fases se sucederam em sua obra. A da arqueologia do conhecimento é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi sistematizado. A genealógica corresponde a um conjunto de investigações das correlações de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na passagem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado. Finalmente, a fase ética centra o foco nas práticas por meio das quais os seres humanos exercem a dominação e a subjetivação, conceito que corresponde, aproximadamente, a assumir um papel histórico.
A docilização do corpo no espaço e no tempo
Para
Foucault, a escola é uma das "instituições de seqüestro", como o
hospital, o quartel e a prisão. "São aquelas instituições que retiram
compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais amplo e
os internam, durante um período longo, para moldar suas condutas,
disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam etc.", diz
Alfredo Veiga-Neto. Com o advento da Idade Moderna, tais instituições
deixam de ser lugares de suplício, como castigos corporais, para se
tornarem locais de criação de "corpos dóceis". A docilização do corpo
tem uma vantagem social e política sobre o suplício, porque este
enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os
corpos produtivos. A invenção-síntese desse processo, segundo Foucault, é
o panóptico, idealizado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham
(1748-1832): uma construção de vários compartimentos em forma circular,
com uma torre de vigilância no centro. Embora não tenha sido
concretizado imediatamente, o panóptico inspirou o projeto arquitetônico
de inúmeras prisões, fábricas, asilos e escolas. Uma das muitas
"vantagens" apresentadas pelo aparelho para o funcionamento da
disciplina é que as pessoas distribuídas no círculo não têm como ver se
há alguém ou não na torre. Por isso, internalizam a disciplina. Ampliada
a situação para o âmbito social, a disciplina se exerce por meio de
redes invisíveis e acaba ganhando aparência de naturalidade.

Esquema de postura corporal da escola
francesa de Port-Mahon do século 19: triunfo
da disciplina.
francesa de Port-Mahon do século 19: triunfo
da disciplina.
Biografia
Michel Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960, sua obra começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969 na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade e Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em 1984.
Época fértil para novas idéias
Embora
Foucault estivesse na Tunísia em maio de 1968, suas idéias estão
profundamente ligadas à revolta estudantil ocorrida nas ruas de Paris
naquele famoso mês. As manifestações antiautoritárias começaram em apoio
aos alunos que haviam tomado a Universidade de Nanterre num protesto
contra a reitoria. Esta reagiu fechando os portões do campus. Em pouco
tempo as ruas da capital francesa estavam lotadas de estudantes,
intelectuais e operários, unidos, entre outros lemas, pela defesa da
"imaginação no poder". A movimentação não teve conseqüências práticas
imediatas, mas anunciou diversas mudanças, principalmente no campo das
idéias. Uma delas foi a substituição, na preferência dos jovens
intelectuais, de pensadores ligados ao marxismo e ao existencialismo por
uma geração aparentada com o espírito contestador de Foucault, liderada
por nomes como Roland Barthes (1915-1980) e Gilles Deleuze (1925-1995).
Por deslocar a noção de poder para uma dimensão múltipla e localizada,
Foucault favoreceu um princípio político caro aos partidos alternativos
do fim do século 20: o de que não é preciso revoluções para modificar a
realidade, porque isso é possível de forma gradual no âmbito cotidiano.
Michel Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960, sua obra começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969 na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade e Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em 1984.
Época fértil para novas idéias

Impasse entre a polícia e estudantes
franceses em 1968: espírito de contestação.
franceses em 1968: espírito de contestação.
Para pensar
É comum a educação ser encarada como um valor único, invariável e redentor. Mas Foucault a via enredada em seu contexto cultural. Por isso, o ensino que em uma época é considerado a salvação do ser humano, em outra pode ser visto como nocivo. Você já pensou nas implicações políticas e sociais da educação atual, com base em sua experiência? Se sim, você leva em conta as conclusões ao planejar o trabalho em sala de aula?
É comum a educação ser encarada como um valor único, invariável e redentor. Mas Foucault a via enredada em seu contexto cultural. Por isso, o ensino que em uma época é considerado a salvação do ser humano, em outra pode ser visto como nocivo. Você já pensou nas implicações políticas e sociais da educação atual, com base em sua experiência? Se sim, você leva em conta as conclusões ao planejar o trabalho em sala de aula?
Quer saber mais?
Foucault e a Educação, Alfredo Veiga-Neto, 160 págs., Ed. Autêntica, tel. (31) 3222-6819, 27 reais
O Sujeito da Educação, Tomaz Tadeu da Silva (org.), 258 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2246-5552, 49,40 reais
Vigiar e Punir, Michel Foucault, 264 págs., Ed. Vozes, 43,90 reais
Foucault e a Educação, Alfredo Veiga-Neto, 160 págs., Ed. Autêntica, tel. (31) 3222-6819, 27 reais
O Sujeito da Educação, Tomaz Tadeu da Silva (org.), 258 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2246-5552, 49,40 reais
Vigiar e Punir, Michel Foucault, 264 págs., Ed. Vozes, 43,90 reais
Fonte: https://novaescola.org.br/conteudo/1522/michel-foucault-um-critico-da-instituicao-escolar
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